Você vende bem, mas vive sem fôlego no caixa? O problema raramente é “falta de vendas”; quase sempre é capital de giro insuficiente. Neste guia, você aprende o que é, como calcular quanto precisa e quais ações reduzem essa necessidade — com exemplos simples e um passo a passo aplicável hoje.
O que é Capital de Giro (e o que ele faz)
Capital de Giro é o dinheiro que mantém a operação funcionando entre pagar fornecedores, folha e tributos e receber dos clientes. Ele cobre o “vazio” entre saídas e entradas do ciclo financeiro.
Pense nele como o oxigênio do negócio: invisível quando tudo vai bem, desesperadamente necessário quando falta.
NCG x Saldo de Caixa: não confunda
- NCG — Necessidade de Capital de Giro: quanto a operação exige para rodar, dado o seu modelo de prazos e estoques.
- Saldo de Caixa: quanto você tem de fato disponível hoje.
- É possível ter lucro e faltar caixa se a NCG for maior que o capital disponível.
Dois jeitos de calcular a NCG
1) Método do Balanço Operacional
Foque apenas em itens operacionais (nada de empréstimos ou aplicações financeiras).
Fórmula:
NCG = (Contas a Receber + Estoques + Outros AC Operacionais) − (Fornecedores + Salários/Encargos a Pagar + Tributos a Recolher + Outros PC Operacionais)
Quando a NCG é positiva, você precisa de capital; quando negativa, os passivos operacionais financiam parte do ciclo.
2) Método do Ciclo de Caixa (CCC)
Transforme tempo em dinheiro.
CCC = DIO + DSO − DPO, onde:
- DIO (Days Inventory Outstanding) = dias de estoque,
- DSO (Days Sales Outstanding) = dias para receber,
- DPO (Days Payable Outstanding) = dias para pagar fornecedores.
NCG aproximada = Custo médio diário da operação × CCC
Custo médio diário = (Custos + Despesas operacionais do período) ÷ nº de dias.
Passo a passo para calcular (prático)
- Levante saldos operacionais atuais
- Contas a receber por faixa de atraso (aging).
- Estoques por categoria.
- Fornecedores, folha/encargos e tributos a pagar.
- Aplique o Método do Balanço Operacional
- Some AC operacionais (recebíveis + estoques + etc.).
- Subtraia PC operacionais (fornecedores + salários + impostos + etc.).
- Resultado = NCG atual.
- Valide pelo Método do CCC
- Calcule DIO, DSO e DPO com base no último trimestre.
- Encontre o custo médio diário e multiplique por CCC.
- Compare com a NCG do passo 2: diferenças grandes revelam ineficiências (estoque parado, atraso de clientes, prazos ruins com fornecedores).
- Projete a NCG para os próximos 90 dias
- Aplique o CCC esperado aos custos/despesas projetados.
- Verifique “picos” semanais (folha, 13º, impostos).
Exemplo numérico (simples e completo)
Dados mensais
- Receita: R$ 600.000
- Custos + despesas operacionais: R$ 480.000
- DIO = 40 dias, DSO = 35 dias, DPO = 25 dias
- Fornecedores a pagar: R$ 400.000
- Contas a receber: R$ 700.000
- Estoques (custo): R$ 640.000
- Salários/encargos a pagar: R$ 150.000
- Tributos a recolher: R$ 90.000
(A) Pelo Balanço Operacional
AC operacionais = 700.000 (CR) + 640.000 (Estoque) = R$ 1.340.000
PC operacionais = 400.000 (Fornec.) + 150.000 (Salários) + 90.000 (Tributos) = R$ 640.000
NCG = 1.340.000 − 640.000 = R$ 700.000
(B) Pelo CCC
Custos/despesas diários ≈ 480.000 ÷ 30 = R$ 16.000/dia
CCC = 40 + 35 − 25 = 50 dias
NCG ≈ 16.000 × 50 = R$ 800.000
Leitura: A NCG está entre R$ 700k e R$ 800k (diferença indica oportunidades de ajuste). Se o caixa disponível for R$ 500k, existe gap de R$ 200k a R$ 300k a ser coberto por otimização ou crédito de giro.
Como reduzir a necessidade de capital de giro (sem travar vendas)
1) Receber mais rápido (reduza DSO)
- Limite e política de crédito por cliente.
- Cobrança automática e incentivo à antecipação (desconto saudável).
- Ofereça meios de pagamento que reduzam atrito.
2) Pagar de forma inteligente (aumente DPO sem multar relações)
- Negocie prazos alinhados ao seu calendário de recebimento.
- Consolide compras estratégicas para ganhar poder de barganha.
- Evite “adiantamentos” desnecessários a fornecedores.
3) Enxugar estoques (reduza DIO)
- Curva ABC: foco nos itens de maior impacto.
- Lotes menores e reposição por demanda (quando viável).
- Campanhas para girar itens lentos (combo, sazonal, kits).
4) Suavizar picos de saída
- Escalonar folha/benefícios (quando permitido).
- Planejar tributos (regimes, calendário e eventuais parcelamentos).
- Revisitar contratos fixos (aluguel, SaaS, frete, tarifas).
5) Usar crédito de forma cirúrgica
- Alinhe o prazo da linha ao gap do ciclo (evite alongar dívidas de curto prazo).
- Compare custo efetivo total com o custo de perder vendas ou pagar multa.
- Faça limite de segurança e use apenas quando a projeção indicar necessidade.
Erros comuns ao calcular
- Misturar contas financeiras (empréstimos, aplicações) na NCG.
- Usar vendas no lugar de custos/despesas no método do CCC.
- Calcular médias com um mês atípico; prefira 3–6 meses.
- Ignorar sazonalidade (ex.: 13º, férias, picos de impostos).
- Olhar apenas a NCG mensal, sem mapear semanas críticas.
Checklist rápido (coloque na parede)
- Tenho NCG atual pelo Balanço Operacional.
- Calculei CCC (DIO, DSO, DPO) dos últimos 3–6 meses.
- Projetei NCG para 90 dias e identifiquei picos semanais.
- Listei 3 ações para reduzir DIO/DSO e aumentar DPO.
- Defini limite de crédito/linha de giro compatível com o ciclo.
Conclusão
Capital de giro não é um número aleatório: é o reflexo do seu modelo de prazos, estoque e custos. Quando você mede a NCG pelos dois métodos, projeta 90 dias e ajusta DIO, DSO e DPO com um playbook simples, o caixa deixa de ser um susto e vira ferramenta de crescimento — sustentável, previsível e lucrativa.